por Rauta
A estreia de um novo movimento negritude em Belo Horizonte, onde acontece espetáculos e experimentos cênicos criado por pessoas pretas, nomea-se como Segunda Preta.
Nessa estreia quem faz a abertura cênica é o ator Evandro Nunes com o espetáculo “IN SÃ: o universo do rosário em nós”. A rua Aarão Reis, onde situa o Teatro Espanca, começa a ser empretecido, dificilmente se vê um negro ou negra chegando sozinhxs, chegam sempre acompanhados, na entrada da bilheteria há duas opções de compra de ingressos: 10$ se morar na redondezas central da cidade, 5$ morando fora região central. Isso faz com que várias pessoas de outros bairros se acheguem, já presenteando o outro com um ingresso em um valor simbólico.
– Qual valor você deseja pagar?
– Como assim? Tenho opções?
– Sim. 10$ morando aqui pertinho, 5$ morando em outro bairro.
– Uai, quero dois de 5$, moro em venda nova, vou pagar o da senhora então, mãe. mais um presente de aniversario!
Disse a moça acompanhada com uma senhora negra reluzente. Era aniversario da senhora, isso explicava os olhos brilhando.
Isso, entre outras prosas, escutei estando ali na bilheteria e, como cortesia da primeira segunda PRETA, levei tortas para quem quisesse degustar. A ansiedade a gente mata comendo, né!
Caminhos diferentes para um mesmo espaço, assentos ocupados, um ser em cena inicia sobre os dizeres de que o caminho da luz que o guia. Ele deixa evidente no começo o que quer: O mar.
Ele enxerga o mundo por dentro, e ele pode ser várias de coisas… uma grande onda ou a sua maré cheia. Sente que ali não é o seu lugar, está sem memória. Anda em direção a parede e pergunta se tem memória, toca seu corpo e pergunta a si mesmo se tem memória, olha a plateia e apenas diz: memória do futuro?
Ele, lúcido, lembra que a loucura é o que ele vive a maioria do tempo. A busca do encontro do mar, que ele anseia, se materializa tecendo um mar com cadernos, fotos, copos pendurados. O mar é o seu cenário, sua casa: é uma onda do mar.
Eu vejo Oshun na minha frente, orixá que corre sobre as águas, ele é a solução do amor, das uniões e riquezas. O choro DELE em cena se incorpora no humano sã, que brinca com a questão textual: “Antes: em tempo ou lugar anterior. Anterior: que está adiante; que vem ou fica antes. Ficar: estacionar, permanecer; não ir além. Além: lá, acolá, lá ao longe. Longe: distante.”
… e assim por diante, com várias palavras, cada fim da sua palavra segue com uma explicação que ali há a (insa)nidade do que incomoda e traz os seus medos, seus movimentos cênicos, de mãos na cabeça e bater em si de repetidamente.
IN SÃ: o rosário em nós nos deixa sem palavras no decorrer da cena-espetáculo. Sabemos que ali tem um louco, com um coração do tamanho do mar que ele espera, ele mostra as lembranças de todas as poesias que escreveu para o mar. Particularmente, ficaria horas sentada ouvindo sobre o que ele poderia dizer sobre a dimensão do mar. O amor dele pelo o mar é infinito, às vezes confunde o mar com Julieta, mas deixa em sua fala que:
“…isso é teatro. Quem será que vai nos dirigir?.”
O ator com uma bacia que tem água e um copo, se banha para entrar no seu mar, na sua onda, nós negrxs acreditamos na nossa onda mesmo não tendo mar em nossa cidade. Existe ali uma vitalidade e pertinência. É uma história de amor e loucura, poucos acreditariam que isso é possível. A não ser que seus olhos, como os meus, já tenha visto o mar e se apaixonado pela a primeira vez.
Sou pega de surpresa com as luzes cênicas se apagando, o público aplaudindo, o ator agradecendo, um liquido salgado escorrendo sobre meu rosto. Uma lágrima, sinto gosto de mares!
Na lucidez de saber que em Belo Horizonte não há mar, o meu corpo pede um cigarro. Nesses momentos penso no mar. E se eu fosse mar? Minha pessoa se faz no limiar entre o tempo e o instante. Nasce do que ainda não é possível delimitar. As formas não são possíveis até mim. Elas se fazem após aquilo que me é possível. O tempo na medida certa. Na medida exata do tempo. O tempo no tempo certo.