A Cena é desafio

Por Anderson Feliciano

É isso ai, você não pode parar,
esperar o tempo ruim vir te abraçar.
Acreditar e sonhar sempre é preciso,
é o que mantém os irmãos vivos.
(Racionais MC’s)

Foto: Pablo Bernardo

De fato a segunda Preta tem se tornado um importante movimento para nós artistas-investigadorxs negrxs. Além de abrir espaço para nossas apresentações tem, com os debates, possibilitado a construção de um diálogo muitas vezes frágil, mas importante em torno do pensamento do que se tem denominado de arte contemporânea negra.

Nesta segunda-feira abençoada pela chuva, a Companhia Negra de Teatro apresentou o experimento cênico Ressoar. Segundo Felipe Soares, diretor e dramaturgo da proposta, Ressoar nasce de um processo de investigação e em breve se constituirá no novo trabalho da Companhia.

Parece-me delicado fazer qualquer apontamento crítico de um material que está em um processo aberto, cheio de lacunas. Por isso esses escritos pretendem ser apenas um convite para que juntos problematizemos nossas propostas estéticas e compreendamos melhor de que maneira elas se articulam com um pensamento referente à representação do corpo negro e suas subjetividades, particularidades e multiplicidades na organização do sensível.

Rica em imagens poéticas e elementos em cena, o que mais me chama atenção são os corpos. Eram eles, os corpos, em meio a fragmentação e o excesso de imagens construídas e desconstruídas naquele espaço/tempo criado pela companhia, que produziam outras poéticas.

Sabe-se que a cor de um indivíduo nunca é simplesmente uma cor, mas um enunciado de conotações e interpretações articuladas socialmente, com valor de verdade que estabelece marcas de poder, definindo lugares, funções e falas (Martins, 1995) que se constrói constantemente. Nesse sentido foram as poéticas que surgiram do encontro dos corpos pulsantes de Michele Bernardino e Eliezer Sampaio que ressoavam pelo meu corpo e minhas memórias e apontavam para o crescente da cena, mas ao mesmo tempo se perdiam pela falta de uma concepção de pensamento que as sustentassem.

Por se tratar de um material resultante de um processo, Ressoar apresenta além das fragilidades de um experimento, muitas possibilidades, como aponta a companhia na sinopse: teatro, instalação, performance e outras formas poéticas de relação.

Com o objetivo de “provocar o espectador” e despertar nele sensações, a companhia, partindo de elementos/imagens como o muro de tijolos construído em cena, o homem tocando o tambor, a mulher passista que na sua dança desequilibrante usa como bandeira um pano de chão, a mesma mulher com luvas brancas pintando o corpo/tela negro do homem que toca o tambor com tintas branca e vermelha, o mesmo homem com um foguete de artificio andando pelo espaço, o grupo sentado no sofá fumando maconha e a pipoca que não estourou, propõe uma experiência sensorial muito particular e cria uma atmosfera esfumaçada que de fato incomodava, entretanto tudo parece ficar apenas no “queremos incomodar”. Mas, e as escolhas, as articulações das imagens e a concepção daquela apresentação? Por que estão postas daquela maneira? Tudo isso se inscreve em cena, e isto é criação que exige pensamento e tomada de posição.

Por isso, tendo a pensar como Allan Calisto, iluminador e assistente de direção do experimento, que durante o debate argumentou sobre a importância de um espaço onde se possa experimentar sem medo de errar. E é justo nesse “sem medo de errar” que surge a força de Ressoar da Companhia Negra de Teatro, um grupo de artistas que a partir de suas referências estéticas, suas inquietações e com sua própria grana decidem se reunir, ensaiar, experimentar e expor seu processo de investigação.

Por isso, mais uma vez ressalto que esse texto é apenas um convite para que juntos/aquilombados, possamos, sem medo de errar, experimentarmos a elaboração de outras poéticas e dentro dessa proposta de extrema relevância que é a segunda Preta forjarmos também um pensamento que ressoe a multiplicidade e complexidade de nossas poéticas.

Foto: Pablo Bernardo


Anderson Feliciano é Mestrando em Dramaturgia e Pós – graduado em Estudos Africanos e Afro-brasileiros (2009) pela PUC – Minas, além de Performer e Dramaturgo. Desde 2007 vem desenvolvendo projetos focados nas questões raciais e de gênero. É autor dos livros infantis “A Verdadeira História do Saci Pererê” (2009) e “Era Uma Vez em Pasárgada” (2011). Foi vencedor do Primeiro Prêmio de estímulo a novos dramaturgos promovido pelo Clube de Leitura (Belo Horizonte – 2011) com o texto “Pequenas Histórias de trocas de pernas, peles e olhos nos seus arroubos e arredores” e ainda teve o texto “Antes que Aconteça Muita coisa Pode Acontecer” selecionado para uma leitura dramática no concurso promovido pelo projeto Negro Olhar (Rio de Janeiro – 2011). já escreveu textos dramáticos para companhias de Brasil, Chile e Argentina. Como performance há participados de festivais por vários países da América Latina.