Por Adilson Marcelino
Foto: Pablo Bernardo
Josi Lopes em cena é pura energia. Esta palavra, por vezes, tão banalizada, quando, na verdade, guarda em si o âmbar elétrico, como diz a poeta gaúcha. E Josi Lopes, quando canta, é esse âmbar ao qual tudo está ligado, plugado. É como se anunciasse: “Tá tudo aceso em mim”.
O público da segunda PRETA, que compareceu no dia 9 de novembro de 2017 na casa Espanca!, no entanto, ficou de frente a uma outra Josi. Ainda que sempre e sempre, seja ela sempre!
Ao adentrar pela primeira vez com seu corpo ocupando outro espaço, o do teatro, com sua solitude, Josi Lopes instaurou uma transversal do tempo. E nessa transversal, nós, a plateia, viramos de imediato seus súditos. Porque entrou como Rainha.
Ainda que machucada, que preterida em marca em brasa revelada nas coxas que desnuda e revela. E ainda que, quanto mais seu cavalo rechicoteava, de crista emplumada, mais a brasa se desfazia como em hena.
“Posso pegar no seu cabelo?”.
Denunciava, chorava, indignava e acuava o opressor. Enquanto seu corpo de mulher preta ia se desenhando, fortalecendo-se, impondo-se.
Cânticos para Solitude (trançando o cabelo com o som me enxergo).
Anunciado como um experimento cênico musical, Josi fez questão de explicar que Solitude é diferente de Solidão. Está na sinopse e está em sua fala no debate, após a apresentação.
Nada mais apropriado e acertado.
É como se ecoasse outro poeta, o baiano, e desta vez negro como ela. Como nós.
E quando escutar um samba-canção,
assim como: “Eu preciso aprender a ser só”.
Reagir e ouvir o coração responder:
“Eu preciso aprender a só ser.”
Pois solidão, quase sempre, é ausência do outro e de si. Já solitude é presença, por demais, de si.
Josi Lopes adentrou o teatro com tanta força, que podia se ver ali, a palmos de distância, não só o corpo da mulher preta. Muito mais que isso. Estava ali toda a força ancestral da mulher preta.
E quando ecoa sua voz. E quando ecoam seus gestos. E quando ecoa seu orixá. Todo um trajeto, da diáspora à afirmação, refaz-se ante nossos olhos.
Da dor à altivez.
E quando, por fim, dá-se o banho de assento, mais que o repouso da guerreira, instaura-se ali, por completo, a verdadeira realeza.
E nós, súditos, não abaixamos a cabeça como fazem os burgueses de ontem e de hoje. “Rainhinificamos” todes. E nos reconhecemos naquela realeza.
Cânticos para Solitude (trançando o cabelo com o som me enxergo) reúne ainda outros bambas: Michelle Sá, Marcelo Vereonez, Benjamim Abras, Tainá Rosa, Tainá Lima.
Foto: Pablo Bernardo
Adilson Marcelino é negro, jornalista, assessor de imprensa cultural, pesquisador de cinema, criador e editor do site Mulheres do Cinema Brasileiro.